Enquanto pequena, não tinha quase nenhum contato com a leitura, devido ao fato de que meus pais nunca gostaram muito de ler e, talvez, ao meu problema visual. Os médicos sugeriam que minha família me desse brinquedos que falassem e que fossem de cores vibrantes, de modo que eu pudesse estimular o uso do meu resíduo visual. Livros talvez não fossem muito úteis, visto que eu demorei um pouco para aprender a identificar imagens de livros. Não posso deixar de ressaltar, que desde criança gostei muito da caneta. Adorava riscar os objetos a minha volta, desde carteiras de vacinação, até fotos. Talvez por causa disso os livros em geral ficavam fora de meu alcance.
Entrei no processo de alfabetização na idade prevista, em escolas regulares. Recordo-me que minha professora ensinava-nos a reconhecermos as letras, usando como ferramenta principal, um alfabeto que tinha em cima do quadro. Eu não via as letras, mas já sabia de cor a ordem, de modo que repetia junto com os demais alunos. Certa vez, ela fez uma prova, a qual consistia em dizer para que letra ela estava apontando. Devido minha dificuldade visual, a professora me levantava no colo. Consegui me sair bem na prova, mas a professora deve ter se cansado bastante.
Nas séries iniciais, era comum os professores lerem livros para a turma, de modo que eu ficava tão consciente quanto qualquer outro aluno das leituras feitas em sala. No entanto, foi ao começar a pegar livros emprestados na biblioteca de minha escola, que notei que o meu problema de visão poderia me prejudicar muito no meu processo de iniciação a leitura. Com freqüência os livros apresentavam duas características: Ou a letra do livro era pequena de mais, de modo que eu não podia ler; ou apesar das letras serem grandes, as imagens de fundo eram mescladas com as letras, de modo que eu não conseguia fazer a leitura. Eram raras as ocasiões em que eu conseguia encontrar livros que pudesse ler.
Mesmo assim, sempre fui encantada pelos livros. Aquele mundo, na época, tão misterioso e fechado para mim, encantava-me e parecia me atrair muito mais do que a televisão. Com o passar do tempo, aprendi a usar a visão que possuía, de modo que já na quinta série eu conseguia ler (com o auxílio de lupas ou outros equipamentos) alguns dos livros da biblioteca do colégio ou do SESC. Nesta época, lembro-me de ter lido “Depois daquela Viagem da Valéria Piassa, “Feliz ano velho” do Marcelo Rubens Paiva, Iracema, do José de Alencar, dentre alguns outros, em geral infanto-juvenis.
Assim que comecei a me adaptar àquela forma de leitura, comecei a perder a visão, de modo que, mesmo sem consciência de tal fato, decidi insistir com os profissionais da entidade para cegos que eu freqüentava em paralelo com a escola regular, que eu deveria aprender Braille. Para mim, tal necessidade se fazia presente, visto que não eram raras as situações nas quais eu encontrava um determinado livro na biblioteca do meu colégio, para logo depois descobrir que o livro não possuía um tamanho de letra que eu pudesse ler, mesmo com os equipamentos de ampliação. No entanto, eu gostava muito de visitar a biblioteca Braille da instituição para cegos e, lá, encontrava o mesmo livro, totalmente disponível para os cegos, no formato Braille. Achava uma injustiça que eu, baixa visão, não podia ler nem livros de videntes, nem livros de cegos. Com quais tipos de livros eu ficaria? Não demorou muito para que aparecessem na minha vida os livros em áudio, os quais me incluíram definitivamente no mundo da leitura. Em áudio, já li “Memórias de uma gueixa”, “A Relíquia”, de Eça de Queiroz, “A marca de uma lágrima” de Pedro Bandeira, “O anjo da morte”, “A Droga da Obediência”, dentre outros do mesmo autor.
Quando completei 13 anos finalmente tive autorização dos meus professores para aprender Braille. Isto não é padrão, visto que eu ainda não tinha tido autorização do meu oftalmo para isso. Mesmo assim, devido minhas insistências, os professores decidiram fazer uma tentativa. Alguns meses depois que iniciei o aprendizado de Braille, comecei a ler em casa. Foi nesta época que realizei um dos meus maiores sonhos, até então: Consegui ler antes de dormir, coisa que eu via os personagens fazendo em filmes e que eu sempre fora em pedida de fazer, visto que não tinha visão suficiente para ler a noite. O primeiro livro que li em Braille se chama “O bem amado” de Dias Gomes. Este livro me foi sugerido, visto que era razoavelmente pequeno (em Braille possuía apenas dois volumes, pequeno para os padrões desse formato de livro). Parti imediatamente para os sete volumes de Olga, de Fernando Moraes. Terminei este livro Acredito que um ano depois, visto que minha leitura Braille não era fluente.
Por fim, foi com a minha inserção no mundo da informática que pude descobrir a existência de livros em formatos doc e rtf, suportado por quase todos os editores de textos do Windows. Iniciei na informática usando o sistema dosvox, um sistema operacional que funciona dentro do Windows. Foi só depois que dominei esta nova ferramenta e que tive o acesso à internet, que pude realmente deslanchar no mundo da leitura. A esta altura eu tinha provavelmente uns 15 anos de idade. Minha paixão por leitura é tão grande, que chego a ler em média 10 livros por mês. Meu repertório atual de livros varia desde clássicos literários, como Machado de Assis, Clarice Lispector, Raquel de Queiroz, até livros menos reconhecidos e, em geral, apontados por nós como não literatura (como biografias de Fernando Moraes) ou Best sellers.
Apesar de ler muito no computador, não deixo de ler em Braille. Atualmente, estou lendo Terras do Sem fim (formado por oito partes ou volumes, em Braille). Os áudio books também continuam sendo bastante utilizados por mim. Mas, sem dúvidas, foi a informática que me permitiu a verdadeira autonomia de escolha em termos de leitura.